TEMPO E REVERSO 

 

(Publicada em 25 de agosto de 1.997) 

É curioso, mas quando rabisco um verso qualquer em qualquer folha e a deixo vagando em meio à bagunça de escrivaninha, percebo que outros versos dificilmente vêm. De certo modo, tenho de me “livrar” de um poema para tentar a feitura de outro; tenho de guardar o poema terminado em local seguro. Se ele permanece em meio à desordem, estou sempre o deparando, lembrando-me dele, o que me impede de partir para outro. O medo de sumi-lo me faz ficar encalhado.

De certa forma o mesmo ocorre com as idéias que tenho. Algumas delas discretamente se insinuam, não me deixam esquecê-las; até se aprimoram na surdina, em minha inação. Chega um ponto em que tenho de escrevê-las. Infelizmente, isso não ocorre freqüentemente.

Às vezes a poesia é visita inesperada. Quando é assim, ela não exige tratamento magnífico, mas se nem anotamos sua presença em qualquer papel, ela buscará outro anfitrião. Coisas que “passam perto da gente como abelhas”, de acordo com Neruda. São essas coisas que tenho tentado apreender. Quando estou prestes a me deitar, deixo no ponto papel e caneta. Já pude constatar a eficácia do método. Tenho agora de me habituar a carregar papel e caneta. Já pude constatar a ineficácia do desábito.

Tenho mesmo de me envolver com as coisas, com o mundo. A melhor forma de fazer o tempo passar é fazer algo. Estando à toa, tenho a impressão de que o tempo pára. Ademais, em momentos ociosos sou vaidoso, o que não é próprio. Quando faço um verso, torno-me-o livre; quando consigo atropelar a preguiça, medro minha vida; quando aprendo, consigo ter esperança. Em mim e nos outros. Jamais fui seduzido por ismo algum. Mas um que certamente me seduziria seria o livrismo, derivado de livro ou de livre – o que dá na mesma. Se existisse, pode ser que me tornasse um livrista.

Escrever para periódicos é a arte de dizer com várias palavras o que poderia ser dito com quatro ou cinco. Meu espaço está acabando; tudo bem. Só após escrever algo que agrada a mim é que me dou por vencedor. Ao terminar a crônica, quase me sinto assim.

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