DA PAZ 

 

(Publicada em 25 de outubro de 1.996) 

Em 1.987 lecionei pela primeira vez. Foi em Carmo do Paranaíba. Lá, trabalhei durante um ano. Fiquei algum tempo parado e depois lecionei novamente, dessa vez aqui em Patos de Minas. Novamente parei. No ano passado, a partir de agosto, voltei a lecionar. E assim tem sido desde então.
Freqüentemente penso que as histórias ocorridas em sala de aula são material farto. As sutilezas, os olhares, as desavenças, as dúvidas ou as explicações. Qualquer aula de cinqüenta minutos em qualquer escola daria um livro.

Há algum tempo fiz com que uma história ocorrida em sala de aula virasse crônica. Escrevi na ocasião sobre um desentendimento entre uma aluna e mim. Passou-se o tempo e novamente uma história ocorrida numa sala de aula tem convivido comigo. De duas semanas para cá, nela tenho pensado com freqüência, a ponto de contá-la agora.

Era o terceiro horário. Explicada a matéria, e ainda faltando cinco ou sete minutos para bater o sinal, ficamos, eu e os alunos, a conversar sobre amenidades. Eu conversava um pouquinho com um, um pouquinho com outro, e o tempo ia passando. Impacientes, eles me pediam a todo instante para que eu os liberasse, pois queriam entrar na fila do barzinho antes de se iniciar o recreio. Até hoje não parecem convencidos de que o fato de eu não liberá-los não é uma escolha minha: estou cumprindo ordens. Quando os mais afoitos já estavam de pé à porta, prontos para pegar a fila, bateu o sinal.

Peguei meu material; quando já ia me dirigindo rumo à porta, uma aluna aproximou-se timidamente. Aluna discreta, dessas que ficamos toda uma aula sem conhecer a cor de sua voz. (Não me lembro se ela tira notas boas, mas sei que em sala de aula ela fala muito pouco.) Ela se aproximou e me perguntou num tom suave se eu me lembrava de certa vez ter dito em sala de aula que eu não conhecia ninguém normal ou que tivesse paz. Surpreso, respondi que me lembrava de já ter dito algo mais ou menos assim, e confirmei que eu não me lembrava do contexto em que fizera tal afirmação. Ela, muito sem jeito, disse-me que jamais conhecera alguém normal, mas que paz ela tem.

Fiquei surpreso, muito surpreso. Ela demorou para me falar da paz que sente, e sobre isso conversamos durante o recreio. Aquela garota tímida e discreta me surpreendeu com sua inteligência, maturidade e... paz. E posso estar errado, mas ela parecia querer me ajudar. E ajudou. Resta-me desejar a ela o bem, desejar a ela sabedoria. Que a paz seja com ela.

E vou passar a observá-la em sala de aula.

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