Sempre 
                                                          achei que andar de bicicleta 
                                                          fosse um feito. Por 
                                                          ter se tornado comum, 
                                                          não lhe damos 
                                                          atenção. 
                                                          Aprender a andar de 
                                                          bicicleta é considerado 
                                                          trivial, pois quase 
                                                          todo mundo aprende. 
                                                          (Equilibrar-se em apenas 
                                                          uma roda, com a evolução 
                                                          da espécie, vai 
                                                          se tornar a regra.)
                                                        Lembro-me 
                                                          de que, na infância, 
                                                          eu sonhava estar andando 
                                                          de bicicleta. De um 
                                                          desses sonhos me lembro 
                                                          como se fosse agora. 
                                                          Lembro-me da rua, da 
                                                          bicicleta que me fazia 
                                                          sonhar. Era como se 
                                                          eu estivesse com os 
                                                          pés fora do chão, 
                                                          flutuando sobre a Olegário 
                                                          Maciel, entre a Ouro 
                                                          Preto e a Vereador João 
                                                          Pacheco. Eu me equilibrava, 
                                                          pedalava e desejava 
                                                          ficar sempre assim. 
                                                          Quando acordei, voltei 
                                                          a sonhar que eu podia 
                                                          andar de bicicleta.
                                                        O sonho 
                                                          que se sonha quando 
                                                          se dorme nos parece 
                                                          bem mais real que aquele 
                                                          que se sonha enquanto 
                                                          se está desperto. 
                                                          Por isso, uma vez sonhado 
                                                          que estava dominando 
                                                          uma bicicleta, ficara 
                                                          decidido que eu não 
                                                          sossegaria até 
                                                          aprender essa arte.
                                                        Do primeiro 
                                                          dia não me esqueço. 
                                                          Afinal, eu estava numa 
                                                          idade em que meus colegas 
                                                          de sala já tentavam 
                                                          andar numa roda só. 
                                                          Foi de supetão. 
                                                          Eu disse que aprenderia 
                                                          e pronto. Numa manhã 
                                                          ensolarada, me deram 
                                                          o primeiro empurrão. 
                                                          Após cuidadosas 
                                                          preliminares, eu me 
                                                          vi montado na bicicleta 
                                                          de minha mãe, 
                                                          conduzindo-a como eu 
                                                          sempre quisera. Mais 
                                                          um sonho tornava-se 
                                                          fato, e daquela vez 
                                                          havia sido um sonho 
                                                          meu, acalentado há 
                                                          muito tempo. Havia chegado 
                                                          então a minha 
                                                          vez, cheia de ziguezagues, 
                                                          tremores, vacilos. Eu 
                                                          não ousava olhar 
                                                          para trás; nem 
                                                          para os lados eu olhava, 
                                                          bem como não 
                                                          arranjava um jeito de 
                                                          dar meia volta e volver. 
                                                          Só o que servia 
                                                          era seguir. Não 
                                                          me preocupava na ocasião 
                                                          com manobras que me 
                                                          tirariam daquele sonho 
                                                          que era conseguir me 
                                                          equilibrar sobre duas 
                                                          rodas, e assim sair 
                                                          por aí.
                                                        Quando 
                                                          parei, recordo-me bem, 
                                                          nem estava tão 
                                                          longe do ponto de partida 
                                                          quanto pensara. Voltei 
                                                          empurrando a bicicleta, 
                                                          ansioso para receber 
                                                          mais um empurrãozinho, 
                                                          o que não me 
                                                          foi negado. E tudo foi 
                                                          tão bom, que 
                                                          numa decisão 
                                                          típica de quem 
                                                          não sabe mesmo 
                                                          que está fazendo, 
                                                          me afastei de casa, 
                                                          e fui me afastando mais 
                                                          e mais, entusiasmado 
                                                          por já conseguir 
                                                          fazer curvas. Nas esquinas, 
                                                          caso fosse preciso parar, 
                                                          eu me veria encrencado, 
                                                          por não saber 
                                                          se conseguiria arrancar. 
                                                          Mas isso não 
                                                          importava, e para coroar 
                                                          meu ato inconseqüente, 
                                                          uma prima passou por 
                                                          mim, também de 
                                                          bicicleta, e se mostrou 
                                                          surpresa por me ver 
                                                          às voltas com 
                                                          uma. Foi um contentamento 
                                                          só dizer pra 
                                                          ela que aquelas eram 
                                                          minhas primeiras pedaladas.
                                                        Soltou-se 
                                                          a corrente. Pedi a alguém 
                                                          para arrumá-la. 
                                                          Depois, pela primeira 
                                                          vez, consegui arrancar 
                                                          sem empurrão.