A QUINTA SÉRIE 
 

(Publicada em 18 de agosto de 1.997) 

Pantagruélico como sempre, ele sentou-se à mesa para mais uma refeição. Os pensamentos de Estevão Machado eram entusiasmados naquela ocasião. Tremendamente aliviado, ele se sentia mais apto, mais gente, mais professor.

Sempre lecionara para o segundo grau. Escolha própria. Sempre que lhe ofereciam aulas no primeiro grau, ele recusava, por achar que não teria tato para lidar com os pentelhos. Quando lhe disseram que o único jeito seria dar aulas para a quinta série, Estevão sentiu um temor ao imaginar-se falando para um bando de crianças peraltas, como ele havia sido. Sentiu desânimo, e só não disse não por que sabia que a outra possível saída seria pedir demissão.

Em casa, ele pensou em ligar para alguém que já lecionara para o primeiro grau, mas mudou de idéia; pensou que procedimento poderia ser adotado, imaginou-se sendo perscrutado pelas crianças, incomodado pela agitação habitual delas; pensou na estranheza que elas sentiriam, por estar acostumadas com uma professora. Teorizou, teorizou e quando se deu conta, já era hora de partir em direção à sala 5, dedicada aos alunos da quinta série. Partiu e tentou impor a si um ar de confiança, de quem sabe o que faz. Faltando uns vinte ou trinta metros para estar à porta da sala, e ele já podia ouvir a trivial vozeria aguda dos estudantes.

Ao cruzar a soleira, houve uma petrificação no ambiente. Elas se calaram automaticamente e o acompanharam atravessar o recinto. Estevão, ainda sem encarar os alunos, colocou sua pasta sobre a mesa, escreveu seu nome no canto superior esquerdo do quadro, embaixo escreveu que matéria lecionaria, virou-se de frente e lhes desejou bom dia.
O bom-dia deles foi lânguido, não combinando com a vitalidade que eles irradiavam momentos atrás. Disse-lhes que teria de copiar muita coisa no quadro, pois o material não havia chegado ainda. Pediu a eles que copiassem. A matéria seria explicada em seguida.

Para surpresa dele, os alunos o trataram amistosamente, sentiram-se à vontade para fazer perguntas e para atrapalhar a aula. A sensação que ficou em Estevão foi a de que eles se conheciam há muito. Até ele se sentiu mais à vontade, coisa que no segundo grau não ocorria. Passados os cinqüenta minutos, ele se viu gostando da diabada e se sentindo como um deles.

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