O DIA EM QUE CONVERSEI COM JAMES JOYCE 

 

(Publicada em 28 de julho de 1.997) 

Ele acabara de atuar – na peça “Ulisses”, baseada em seu livro. Fui logo saindo do teatro lotado, que ficava perto do hotel. Corri para lá, na esperança de chegar antes dele. Alívio em mim: passados mais ou menos vinte minutos, aproximei-me totalmente sem jeito.

– Posso falar com você um minutinho?

– Pode.

– Por que a falta de pontuação no fim de “Ulisses”?

– Não sei bem ao certo; foi uma intuição. Achei que seria bom, que seria natural. A gente não pontua nossos pensamentos, não é mesmo? Pintou por aí. Além do mais, pode ser bom para aqueles que estão treinando leitura dinâmica, precisamente pela falta de pontuação. E mesmo sem a pontuação, creio eu, o texto é compreensível. Assim como em “Finnegans Wake”.

– E os palavrões em “Ulisses”?

– Nada demais. Coisas que a gente ouve em qualquer passeio por aí. Ou por Dublin.

– Por que o dia 16 de junho de 1.904?

– Vou contar só pra você. Veja bem: pegue o 16; agora, o 1.904; junte-os num só número; então teremos o 161.904; se somarmos os algarismos, teremos 1+6+1+9+0+4 = 21, certo? É como já brinquei: minha obra só será compreendida no século vinte e um. De quebra, 21 é divisível por 3; gosto de números divisíveis por 3. O mês é junho, o sexto mês. Seis é divisível por 3. E, finalmente, é um dia como qualquer outro.

– Mas você não começou tão... digamos... complicado.

– É mais uma razão para que ninguém se assombre com o “Ulisses”. O mesmo vale para o “Finnegans Wake”.

– Por que as referências à “Odisséia” em “Ulisses”?

– Por tudo. Até pelo senso de humor da própria. Posso dizer que a “Odisséia” foi o metatexto principal, mas não o único. Qualquer texto é um metatexto.

– E essa história de dizerem que depois de você os romancistas ficaram sem saída?

– Papo furado.

– Eu não sabia que você era ator.

– Nem eu, mas gostei de estar no palco. É bom sentir na pele que escrever não é a única forma de representar. Mas estou cansado. Sinto muito; vou subir. A propósito, você já leu todos os meus livros?

– Não. Nem o “Ulisses” e muito menos o “Finnegans Wake”.

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