"O 
                                                          tempo passa sem que 
                                                          o sinta a gente".
                                                        A frase 
                                                          de Dante (1.265-1321) 
                                                          parece ter sido escrita 
                                                          ontem. Há uma 
                                                          canção 
                                                          da banda gaúcha 
                                                          Nenhum de Nós 
                                                          chamada “Sobre 
                                                          o Tempo”. O Pato 
                                                          Fu tem uma canção 
                                                          com o mesmo título. 
                                                          O Pink Floyd tem uma 
                                                          chamada “Time”, 
                                                          também o nome 
                                                          da famosa revista. Há 
                                                          o tempo de Proust, que 
                                                          assim inicia, segundo 
                                                          a tradução 
                                                          de Mário Quintana, 
                                                          sua obra “Du Côté 
                                                          de chez Swann”: 
                                                          “Durante muito 
                                                          tempo, costumava deitar-me 
                                                          cedo”. Em Thomas 
                                                          Mann, segundo a tradução 
                                                          de Herbert Caro, no 
                                                          livro “A Montanha 
                                                          Mágica”, 
                                                          há o seguinte 
                                                          trecho: “Pode-se 
                                                          narrar o tempo, o próprio 
                                                          tempo, o tempo como 
                                                          tal e em si?”. 
                                                          De acordo com Einstein, 
                                                          “o tempo é 
                                                          relativo e não 
                                                          pode ser medido exatamente 
                                                          do mesmo modo e por 
                                                          toda a parte”. 
                                                          No Eclesiastes está 
                                                          escrito: “Tudo 
                                                          o que existe debaixo 
                                                          dos céus tem 
                                                          o seu tempo”.
                                                        Todo 
                                                          esse papo sobre o tempo 
                                                          fez com que eu me lembrasse 
                                                          de uma frase dita por 
                                                          um locutor da rádio 
                                                          Bandeirantes, chamado 
                                                          Valmir Jorge: “O 
                                                          tempo passa e a gente 
                                                          nem vê”. 
                                                          A frase simples, dita 
                                                          por ele quando o mesmo 
                                                          fazia um programa de 
                                                          madrugada, me marcou, 
                                                          sem que eu saiba a razão 
                                                          pela qual jamais me 
                                                          esqueci dela. Eu era, 
                                                          na época, ouvinte 
                                                          assíduo do programa 
                                                          dele, por admirar muito 
                                                          o trabalho de Valmir 
                                                          Jorge. Quando ouvi pelo 
                                                          rádio a frase 
                                                          já mencionada, 
                                                          cheguei a repeti-la 
                                                          em voz alta, enquanto 
                                                          pensava sobre ela. “O 
                                                          tempo passa e a gente 
                                                          nem vê”. 
                                                          Ela continua atuando 
                                                          em mim. Quanto mais 
                                                          o tempo passa, mais 
                                                          significativa ela vai 
                                                          se tornando.
                                                        Aos onze 
                                                          anos consegui meu primeiro 
                                                          emprego. Trabalhava 
                                                          numa fábrica 
                                                          que empacota farinha 
                                                          e fubá. Trabalhei 
                                                          lá por muito 
                                                          tempo. Quatro anos ou 
                                                          mais. E trabalhava o 
                                                          tempo todo com o rádio 
                                                          ligado, ouvindo música 
                                                          o dia inteirinho. Os 
                                                          colegas de trabalho 
                                                          também gostavam, 
                                                          e de vez em quando até 
                                                          arriscávamos 
                                                          cantar algumas delas. 
                                                          Foi nessa época 
                                                          que comecei a perceber 
                                                          como sou desafinado. 
                                                          Foi nessa época 
                                                          que comecei a me interessar 
                                                          pela história 
                                                          das bandas, comecei 
                                                          a ler sobre música.
                                                        Uma canção 
                                                          muito executada, recordo-me, 
                                                          era aquela “Muito 
                                                          Estranho”, cantada 
                                                          pelo Dalto. Se alguém 
                                                          quisesse ouvi-la, bastava 
                                                          ligar o rádio 
                                                          que lá estaria 
                                                          ele cantando o famoso 
                                                          refrão “Cuida 
                                                          bem de mim”. Como 
                                                          não podia deixar 
                                                          de ser, o tempo foi 
                                                          passando, passando, 
                                                          até o dia em 
                                                          que eu não mais 
                                                          trabalharia lá. 
                                                          Consegui um outro emprego, 
                                                          saí dele, fui 
                                                          para um outro, depois 
                                                          para um outro e assim 
                                                          por diante. Enquanto 
                                                          isso, eu via gente crescer. 
                                                          Hoje, muitas meninas 
                                                          que eu tenho visto desde 
                                                          quando eram bebês, 
                                                          estão crescidas, 
                                                          viraram mulher. (Alguém 
                                                          aí se lembrou 
                                                          do Paulinho Nogueira?)
                                                        Desse 
                                                          monte de gente que vi 
                                                          nascer e crescer, há 
                                                          um menino que hoje é 
                                                          maior do que eu. O nome 
                                                          dele é Edgard, 
                                                          e ele é meu irmão. 
                                                          Hoje em dia, quando 
                                                          o observo, penso que 
                                                          os pais devem sentir 
                                                          algo similar quando 
                                                          reparam em seus rebentos.
                                                        Há 
                                                          uns quinze dias o Edgard 
                                                          me telefonou, enquanto 
                                                          eu trabalhava, para 
                                                          me pedir a música 
                                                          “Muito Estranho”. 
                                                          O ano passa e a gente 
                                                          nem vê. “Pois 
                                                          mil anos, aos olhos 
                                                          de Deus, são 
                                                          como o dia de ontem 
                                                          que se foi”.