RADUAN NASSAR E EU 
 

(Publicada em 8 de setembro de 1.997) 

Foi peremptório: “Compre este livro. Se você não gostar, eu te restituo o dinheiro”. Comprei. O dinheiro não foi restituído – o livro não foi lido ainda. “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar.

Ele está guardado, aguardando leitura. Mas não por muito tempo. Recentemente, li uma entrevista com ele e fiquei maravilhado. Alguns trechos cito:

“Que fique bem claro que me lixo para essa entidade que se identifica com o que está aí e que porta o elegante nome de ‘homem moderno’, que mais parece grife de moda”.

Outro: “Não se faz literatura para valer com paixão requentada”.

Mais um: “Ficou difícil ler alguma coisa nos últimos anos por causa da diarréia antidiscursiva que acabou atacando também a prosa. É uma palavra solta aqui, é outra sem qualquer nexo lá, uma poesia que uma hora é pintura, aí já não é mais pintura, é música, é eletrônica, é o escambau. Confesso que não tenho recursos e nem paciência. Fico até me perguntando se esses poetas imaginam que o leitor deve se debruçar a vida toda sobre o que eles fazem, para poder sacar alguma coisa. Me pergunto também se não existiria algo de comum entre essa moda antidiscursiva e subnutrição mental. Continuo pensando que as palavras, como os indivíduos, só ganham força quando se organizam ao lado das outras. Mas o desmanche não vem acontecendo só na literatura e nas oficinas de carros roubados”.

Sobre ter abandonado o curso científico, o curso de letras, o curso de direito, a empresa familiar, uma criação de coelhos, outras coisas e a literatura: “Por que só quando abandonei a literatura eu teria me transformado em personagem fascinante? Não é esquisito?”

Mais: “De um modo geral, acho que os professores transferem para os alunos gostos e critérios pessoais, o que acaba formando um rebanho destinado a adorar certos nomes. Talvez se devesse treinar o aluno a pensar com a própria cabeça, a ser ele mesmo na sua relação com as leituras – supondo-se, é claro, que o professor também conseguisse pensar com sua própria cabeça”.

Para fechar: “Os autores que constam dos currículos escolares acabam desumanizados, são transformados em pequenos deuses. O resultado disso é que o próprio ato de escrever é sacralizado, quando escrever é uma atividade como qualquer outra”.

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