SE QUISER, EU ESQUENTO 
 

(Publicada em 7 de novembro de 1.998) 

Ele saiu do trabalho e foi pra casa. Lá chegaria e estudaria um pouco, pois haveria prova de português na escola. Despreocupado, foi rapidamente percorrendo o caminho que o levaria a seu destino. Ao passar em frente a uma outra escola, olhou para o prédio, coisa que tinha o hábito de fazer, por considerar a sua fachada extremamente rude. Ele não se cansava de reparar naquela rudeza.

Chegando, ninguém em casa. Ligou o rádio e foi para a cozinha, onde fez um rápido lanche. Enquanto comia, seu irmão chegou. Saudaram-se com as usuais “ofensas”. Deixando seu irmão na cozinha, foi para o quarto e apanhou a apostila, para uma leitura na matéria. Deu uma olhadela no conteúdo e achou por bem tomar banho antes do estudo.

Assim que o banho começou, sua mãe chegou. Ela se aproximou da porta do banheiro e perguntou para o filho se ele queria jantar. Ele disse que não, e logo constatou algo diferente. Pela primeira vez sua mãe não havia dito que se ele quisesse ela esquentaria a comida. Aquilo era de se espantar. Ele tentou buscar um momento em que sua mãe não havia lhe dito que, se ele quisesse, ela poderia esquentar a comida, mesmo após seu não. Buscou com atenção esse momento, mas não o achou. Esqueceu-se da singularidade da ocasião, terminou o banho e deu uma estudadinha.

No momento em que saiu, ninguém em casa. Ele trancou as portas, o portão e partiu, não se esquecendo, posteriormente, de olhar uma vez mais para a rude fachada. Quando chegou ao ponto do ônibus, uma colega de sala estava estudando. Ele a cumprimentou rapidamente e a abandonou com as palavras dela. Chegou à escola, foi para a sala e aguardou a professora, que em poucos minutos chegaria, trazendo uma prova que ele não achou difícil, o que o deixaria com um bom espírito até o término da aula. Antes de seu retorno para casa, ele e mais três colegas de sala passaram num bar e tomaram três cervejas. No caminho de volta, enquanto olhava para a rude fachada, lembrou-se do ocorrido no momento em que ele estava no banheiro – pensamento que logo ficou para trás, tal qual a fachada.

Quando se aproximava de casa, faltando uma esquina, sentiu logo uma vontade de correr, movido pelo que vira. Rendendo-se ao impulso, disparou. Todo aquele movimento... Quando chegou, teve a confirmação do pensamento que tomara conta de sua vida enquanto percorria aquela esquina que faltava: sua mãe havia morrido.

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