COLEGAS 
 

(Publicada em novembro ou dezembro de 1.999) 

Acredito em Deus, não em um deus que interfere em nossas vidas, num deus que atende às preces. Estamos sozinhos. Não creio haver um ser que vela por nós, que nos ajude naquelas situações mais necessitadas. Não acredito num ser que escuta nossos clamores.

Ontem (3/11) eu conversava com uma colega de sala. Nós nos conhecemos no ano passado. Ela é extremamente calada em sala de aula; raramente tem-se a chance de escutá-la. Somente quando a pedem para apresentar algum trabalho pode-se saber a bela cor de sua voz. E curioso: nunca a vi manifestar alguma dúvida. Por certo ela as tem. Qual a razão de ela não as manifestar, já que é tão competente aluna? Ou será que é pelo motivo de ser competente demais? Será timidez?

Geralmente conversamos pouco um com o outro, mas nossos diálogos são úteis. Ela discorda de mim, quando digo que estamos sem apoio, que deus nenhum nos auxilia.

Na conversa de ontem, nada dizíamos sobre crenças. Ela me disse que está vivendo um momento difícil de sua vida, barra pesada. Não deu mais detalhes. Fiquei com vontade de poder fazer algo por ela. Enquanto pensava se poderia ajudá-la, escutava o que me dizia. Não comentou nada sobre o problema ou problemas que enfrenta. O que me surpreendeu foi o que ela me disse antes de encerrar seu comentário sobre a situação difícil que a rodeia.

Ela disse que acredita (e nesse momento, como que abrindo um parêntese, ela lembrou minha descrença na intervenção de um deus em nossas vidas) que sou uma das pessoas que Deus colocou em seu caminho nessa difícil fase da vida dela.

Fiquei surpreso. Jamais eu podia suspeitar que era visto por ela dessa forma. Senti privilégio e responsabilidade, fiquei sem saber o que dizer ou o que fazer.

Como podemos nos enganar a respeito da forma como julgamos que os outros nos olham. Achei o comentário dela importante, íntimo. E se ela estiver certa, se nossa aproximação tiver mesmo um toque divino, não posso deixar de dizer que isso também contribui para o privilégio a que já me referi. A responsabilidade também aumenta. Se na verdade as coisas são assim, creio ser uma boa ser o escolhido de Deus para, de algum modo, ajudar alguém. Caso as coisas sejam assim, não deve ser de todo ruim cumprir os desígnios de Deus – se é que Ele os tem da forma como se suspeita.

Tenho razões para querer ajudá-la. Admiro-a, torço por ela. Possa eu fazer algo, possa eu ajudá-la por meio da vontade divina. Ou apesar da falta ou da ignorância desta. E, se for o caso, que Deus nos ajude.

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® 2005 
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