A BOLA CONTRA A PAREDE 
 

(Publicada em 21 de novembro de 1.998) 

Tenho a péssima mania de ficar guardando as idéias para um futuro que nem sei se virá, à maneira de quem guarda uma carta na manga. Só que em meu caso, as cartas que fico guardando para escritos posteriores invariavelmente não são usadas em tais hipotéticas obras. Ficam apenas em minha cabeça, e muitas já caíram no esquecimento ou já foram depositadas no armazém das coisas que não merecem revisitas. É hora de mudar a história.

Já li em Luis Fernando Verissimo digressões sobre a bola com que a maioria dos garotos se envolve. Identifiquei-me com o texto.

Numa manhã longínqua, úmida ainda após a chuva, eu encontrei no quintal peças de um brinquedo. Para se brincar, deveriam elas ser encaixadas uma na outra. Não sei como esse brinquedo foi parar no quintal lá de casa; certo era que, um tanto desabilitado para montar coisas, um dia apanhei uma das peças e comecei a jogá-la para cima. A repetição desse gesto, sem que mesmo hoje eu saiba o motivo, incentivava minha imaginação. O tempo passou e a peça foi substituída por uma bola, o que fez com que histórias mais ousadas fossem concebidas. Era só eu começar a brincar com a bola e o mundo todo era uma só cidade, de modo que as viagens dos coletivos se pareciam viagens interestaduais, por causa dos longos percursos que deveriam ser empreendidos. Eu me imaginava sendo o motorista de um dos ônibus. Adorava o barulho do motor, o aperto dos passageiros, a correria no trânsito. Os ônibus por mim imaginados muito se pareciam com os ônibus em que eu andava quando morei em Brasília, ainda garoto, em 1.975, se não me engano.

Jogando a bola contra a parede eu também imaginava uma partida de futebol. Disputa improvável, jogo em que a bola chegava a ser chutada sete ou oito vezes na trave, em poucos segundos. As decisões eram sempre entre os dois mesmos times. Um deles jamais conseguira ser o campeão, e as partidas giravam em torno das pressões que o perdedor exercia até o último instante, nunca com êxito.

Precisamos de algo exterior a nós para nos tornarmos o que somos. A bola me possibilitava isso, e até hoje não consegui algo que a substituísse. Pode ser que um dia qualquer eu volte a brincar com uma, eu volte a ser o que sou.

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