VIDA DE BICICLETA 
 

(Publicada em 22 de setembro de 1.995) 

Tenho percebido que constantemente uma bicicleta aparece aqui ou ali em minhas crônicas. Não como protagonista. Aparece discreta, porém freqüentemente. Tão freqüentemente que me dei conta de que a bicicleta é parte importante de meu mundo. O tempo passa e continuo pedalando.

Fui acordado às nove horas. Era uma manhã de segunda-feira. Devido a um imprevisto, eu teria de sair da cama e de casa bem mais cedo do que havia planejado. Sonolento, me organizei para sair. Ao abrir a porta, percebi o tempo nublado. Pensei alguns instantes se levaria um guarda-chuva. Não levei. Antes mesmo de eu caminhar até a esquina mais próxima, grossos pingos surgiram. Voltei correndo para casa, destranquei rápido o portão, entrei em casa, apanhei o guarda-chuva. No momento em que trancava novamente a porta, minha mãe chegou. Como eu estava com pressa, pedi a ela que me emprestasse a bicicleta. Saí sob a chuva que gradativamente ia se tornando mais forte. Ventava muito, tornando-se assim difícil segurar o guarda-chuva em meio ao vento e à água. Por causa da ventania, tive de segurá-lo de modo que ele impedia consideravelmente minha visão. Eu só enxergava o que estava a mais ou menos dois metros.

Passei a achar interessante a ocasião, apesar de todo o desconforto. Eu seguia pela av. Paranaíba, conhecia bem o trajeto, mas naquela hora eu não podia divisar nem o que havia nos próximos metros. Assim eu pedalava, quando então pensei que a vida era como andar de bicicleta e ter a visão obstruída. Eu me locomovia e não sabia o que me trariam os próximos metros. Vive-se sem a noção do que poderá ocorrer nos próximos minutos. Fui me entusiasmando com a idéia e até havia me esquecido da dificuldade que era manter na mão o guarda-chuva. Pedalava, pedalava e a vida ia se fazendo, me revelando o que havia no caminho.

Curiosamente, quando cheguei a meu destino, parou de chover. Ao voltar para casa, sem chuva, eu podia enxergar o caminho, prestar atenção nele. Foi preciso um pouco menos para que eu viesse a enxergar um pouco mais. E mesmo enxergando um pouco mais, eu continuava a sentir a vida como quem anda de bicicleta sob a chuva com vento forte.

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