Ele foi 
                                                          um cachorro. Pelo design, 
                                                          parecia ser uma mistura 
                                                          de bull-dog com vira-lata. 
                                                          Não era muito 
                                                          grande nem muito pequeno, 
                                                          tinha cor amarelecida. 
                                                          Não atacava ninguém 
                                                          nem outros cães.
                                                        Mesmo 
                                                          assim era um cachorro 
                                                          que chamava muito a 
                                                          atenção. 
                                                          Primeiro motivo: ele 
                                                          tinha um defeito na 
                                                          pata direita da frente. 
                                                          Acho que por atropelamento. 
                                                          Ele mancava. Sua pata 
                                                          jamais tocava o chão. 
                                                          Segundo: ele era bom 
                                                          de briga. Não 
                                                          sei precisar por qual 
                                                          dessas razões 
                                                          a fama dele se multiplicou. 
                                                          Pelas duas, não? 
                                                          Era surpreendente ver 
                                                          um cachorro que mancava 
                                                          ser capaz de surrar 
                                                          gente bem maior e bem 
                                                          mais equipada do que 
                                                          ele.
                                                        Zezão 
                                                          não perdia uma 
                                                          briga. Como dito, não 
                                                          era grande, mas era 
                                                          encorpado. Eu o vi enfrentar 
                                                          cães de nobre 
                                                          estirpe, cheios de pomba, 
                                                          de status, de pose, 
                                                          de essências aromáticas. 
                                                          Zezão não 
                                                          estava nem aí 
                                                          pra isso. Encarava quem 
                                                          quer que fosse, vindo 
                                                          de onde for, com sabedoria 
                                                          e com coragem. Cães 
                                                          vinham de longe para 
                                                          testar o poder de Zezão. 
                                                          E voltavam para casa 
                                                          derrotados. Jamais humilhados.
                                                        Zezão 
                                                          chamava a atenção 
                                                          pela discrição. 
                                                          Só brigava se 
                                                          requisitado. Não 
                                                          era desses cães 
                                                          chatos que não 
                                                          são de nada e 
                                                          ficam correndo atrás 
                                                          de qualquer um ou de 
                                                          qualquer coisa. Não. 
                                                          Zezão não.
                                                        Ele me 
                                                          intrigava. Era meu ídolo 
                                                          de infância. Era 
                                                          meu herói. Não 
                                                          sei quantos anos eu 
                                                          tinha, mas sei que na 
                                                          época eu pensava 
                                                          que o segredo da força 
                                                          dele era comer muito 
                                                          feijão. Eu achava 
                                                          que ele tinha cara de 
                                                          quem comia muito feijão.
                                                        Eu ficava 
                                                          ansioso para ser uma 
                                                          testemunha da próxima 
                                                          briga de Zezão. 
                                                          Houve vezes em que pensei 
                                                          que ele não conseguiria. 
                                                          Mesmo quando ele bateu 
                                                          no pequenês que 
                                                          havia lá em casa, 
                                                          não fiquei com 
                                                          raiva do Zezão. 
                                                          Lulu (o lá de 
                                                          casa) era encrenqueiro, 
                                                          achava que podia peitar 
                                                          qualquer um. Escapulindo 
                                                          da coleira, foi dar 
                                                          uma de bravo com o Zezão. 
                                                          Sangrando, o jeito foi 
                                                          Lulu voltar com o rabo 
                                                          entre as pernas.
                                                        Zezão, 
                                                          este é meu tributo. 
                                                          Homenagem aquém 
                                                          do homenageado. Quando 
                                                          foi que você morreu? 
                                                          De qualquer modo, obrigado, 
                                                          Zezão.