Cheguei 
                                                          à livraria com 
                                                          a seguinte certeza: 
                                                          comprar um livro. Não 
                                                          sabia ainda qual livro 
                                                          eu compraria, mas de 
                                                          lá eu não 
                                                          sairia sem livro. Comecei 
                                                          a vasculhar as estantes. 
                                                          Muitos autores para 
                                                          pouco dinheiro. Por 
                                                          questões financeiras, 
                                                          e também disciplinares, 
                                                          eu havia prometido a 
                                                          mim mesmo comprar um 
                                                          só livro. Ainda 
                                                          que minhas mãos 
                                                          ficassem coçando 
                                                          de vontade de levar 
                                                          mais uns cinco ou seis, 
                                                          seu seria forte o bastante 
                                                          para resistir às 
                                                          facilidades no pagamento 
                                                          ou aos descontos, caso 
                                                          eu pagasse à 
                                                          vista. Após os 
                                                          flertes de praxe, decidi 
                                                          levar para casa “O 
                                                          Príncipe e o 
                                                          Mendigo”, de Mark 
                                                          Twain. Ainda conheço 
                                                          pouco do autor, tendo 
                                                          lido apenas uma coletânea 
                                                          de seus contos.
                                                        Saí 
                                                          da livraria satisfeito 
                                                          com minha disciplina. 
                                                          Meu bolso não 
                                                          sofrera tanto. Guardei 
                                                          o livro numa sacola, 
                                                          pendurei a mesma no 
                                                          guidão da bicicleta 
                                                          e tomei o rumo de casa 
                                                          satisfeito da vida, 
                                                          pensando em iniciar 
                                                          a leitura assim que 
                                                          chegasse a meu quarto. 
                                                          Ao tomar o trepidante 
                                                          asfalto da Duque de 
                                                          Caxias, logo após 
                                                          a praça dos Bandeirantes, 
                                                          o livro começou 
                                                          a dar sobressaltos dentro 
                                                          da sacola, reclamando 
                                                          do trajeto. Mesmo diante 
                                                          de tal reação 
                                                          não me sobressaltei, 
                                                          por já estar 
                                                          acostumado aos sacolejos 
                                                          e por achar que o livro 
                                                          não corria riscos. 
                                                          De repente, a alça 
                                                          da sacola se partiu, 
                                                          fazendo com o que o 
                                                          Mark fosse parar no 
                                                          chão, protegido 
                                                          apenas pelo fino material 
                                                          da sacola.
                                                        A princípio, 
                                                          não me preocupei. 
                                                          Uma simples queda não 
                                                          o mataria. Assim que 
                                                          fui retornar, divisei 
                                                          um carro que se aproximava 
                                                          lentamente. Não 
                                                          me preocupei novamente. 
                                                          Pensei que o motorista 
                                                          não se arriscaria 
                                                          a passar por cima daquele 
                                                          embrulho branco recém-surgido. 
                                                          Tranqüilamente, 
                                                          aguardei o desvio. Mas 
                                                          ele não desviou. 
                                                          Aí, sim, fiquei 
                                                          preocupado. Sem mais 
                                                          delongas, passou as 
                                                          duas rodas da direita 
                                                          sobre o estirado Twain. 
                                                          Depois, lentamente prosseguiu.
                                                        Olhei 
                                                          para o carro que se 
                                                          distanciava. Memorizei 
                                                          sua placa. Finalmente, 
                                                          mudei de idéia. 
                                                          Achei melhor não 
                                                          criar caso por causa 
                                                          de um atropelamento. 
                                                          Retornei e apanhei meu 
                                                          amigo. A sacola morreu; 
                                                          quanto ao Mark, após 
                                                          revirá-lo, percebi 
                                                          que ele sobrevivera.
                                                        Retomei 
                                                          o caminho de casa. A 
                                                          duas quadras de meu 
                                                          destino, percebo o carro 
                                                          envolvido no acidente, 
                                                          estacionado. Ao ver 
                                                          que me aproximava, o 
                                                          motorista me perguntou 
                                                          se o embrulho continha 
                                                          algo que fosse quebrável. 
                                                          Respondi que não 
                                                          e ele me pediu desculpas.