Como 
                                                          não é 
                                                          sabido por muitos, já 
                                                          escrevi alguns textos. 
                                                          Se não fosse 
                                                          pela minha insegurança, 
                                                          eu poderia ter escrito 
                                                          mais e melhor. Ao escrever, 
                                                          é aquela velha 
                                                          agonia: a de pensar 
                                                          se os outros vão 
                                                          gostar, o que vão 
                                                          dizer, o medo de ser 
                                                          criticado. Nem gosto 
                                                          de mostrar os textos 
                                                          para meus amigos. Tenho 
                                                          medo do que eles possam 
                                                          vir a dizer. O medo 
                                                          não é 
                                                          o de tornar público 
                                                          o texto, seja por que 
                                                          meio for. O medo é 
                                                          o de acompanhar as reações 
                                                          do leitor cara-a-cara. 
                                                          Do leitor distante, 
                                                          não tenho medo. 
                                                          Pensando bem, nem da 
                                                          crítica feita 
                                                          à distância. 
                                                          O terrível é 
                                                          aquela crítica 
                                                          feita diante de minhas 
                                                          inseguranças.
                                                        Desde 
                                                          menino, tenho lido muita 
                                                          coisa. Muitos textos 
                                                          foram lidos quando eu 
                                                          ainda era muito jovem; 
                                                          não foram devidamente 
                                                          aproveitados. Nietzsche 
                                                          é um exemplo 
                                                          de leitura que veio 
                                                          muito cedo. O bom é 
                                                          que há muito 
                                                          tempo para releituras 
                                                          (assim espero). Entretanto, 
                                                          a vontade de escrever 
                                                          ou a suspeita de que 
                                                          eu tinha habilidade 
                                                          para a coisa ou mesmo 
                                                          a constatação 
                                                          de que eu gostaria de 
                                                          produzir textos veio 
                                                          num dia em que eu teria 
                                                          de escrever uma redação 
                                                          como dever de casa. 
                                                          Vários títulos 
                                                          foram sugeridos pela 
                                                          Lúcia, a professora. 
                                                          Eu teria de escolher 
                                                          um. Havia uns dez.
                                                        Eu escolhia 
                                                          um, e nada. Escolhia 
                                                          outro, e nada. Tentei 
                                                          vários, mas nada, 
                                                          nada e nada. Quase desistindo, 
                                                          e quase já tendo 
                                                          escolhido todos os títulos, 
                                                          “Minhas Mãos” 
                                                          foi a sugestão 
                                                          ceticamente escrita 
                                                          no papel. Antes de começar 
                                                          a escrever, fiquei algum 
                                                          tempo olhando para as 
                                                          mãos. Observava-as 
                                                          de um lado, do outro; 
                                                          fazia gestos, colocava 
                                                          uma em contato com a 
                                                          outra. Fui me dando 
                                                          conta de que eu ainda 
                                                          não as analisara 
                                                          merecidamente. Esquecido 
                                                          da redação, 
                                                          fiquei nesse namoro.
                                                        Quando 
                                                          comecei a escrever, 
                                                          as frases vieram sem 
                                                          tropeço, jorrando 
                                                          de minha mão 
                                                          que velozmente tentava 
                                                          acompanhar o fluxo de 
                                                          idéias. Aquele 
                                                          jorro me dava prazer, 
                                                          as frases iam se tornando 
                                                          numerosas, eu ia me 
                                                          permitindo ser levado 
                                                          pelas sensações 
                                                          que brotavam e pela 
                                                          mão que ia preenchendo 
                                                          o papel. Tudo fácil, 
                                                          claro. Eu me sentia 
                                                          sendo o que sou, sentia-me 
                                                          livre, em paz.
                                                        Acabado 
                                                          o texto, reli. Reli 
                                                          de novo. Pensei: “Me 
                                                          senti tão bem. 
                                                          Seria ótimo sentir-me 
                                                          desse jeito novamente. 
                                                          Quem sabe, se eu tentar 
                                                          escrever sempre, não 
                                                          vou sempre me sentir 
                                                          assim?” Movido 
                                                          por tais pensamentos, 
                                                          passei a escrever.
                                                        Não 
                                                          sei mais qual a nota. 
                                                          Já tentei achar 
                                                          a redação. 
                                                          Eu a reescrevi. Não 
                                                          gostei. Eu queria palavra 
                                                          por palavra. Ela deve 
                                                          ter mesmo se perdido 
                                                          por aí.