Tenho 
                                                          percebido que constantemente 
                                                          uma bicicleta aparece 
                                                          aqui ou ali em minhas 
                                                          crônicas. Não 
                                                          como protagonista. Aparece 
                                                          discreta, porém 
                                                          freqüentemente. 
                                                          Tão freqüentemente 
                                                          que me dei conta de 
                                                          que a bicicleta é 
                                                          parte importante de 
                                                          meu mundo. O tempo passa 
                                                          e continuo pedalando.
                                                        Fui acordado 
                                                          às nove horas. 
                                                          Era uma manhã 
                                                          de segunda-feira. Devido 
                                                          a um imprevisto, eu 
                                                          teria de sair da cama 
                                                          e de casa bem mais cedo 
                                                          do que havia planejado. 
                                                          Sonolento, me organizei 
                                                          para sair. Ao abrir 
                                                          a porta, percebi o tempo 
                                                          nublado. Pensei alguns 
                                                          instantes se levaria 
                                                          um guarda-chuva. Não 
                                                          levei. Antes mesmo de 
                                                          eu caminhar até 
                                                          a esquina mais próxima, 
                                                          grossos pingos surgiram. 
                                                          Voltei correndo para 
                                                          casa, destranquei rápido 
                                                          o portão, entrei 
                                                          em casa, apanhei o guarda-chuva. 
                                                          No momento em que trancava 
                                                          novamente a porta, minha 
                                                          mãe chegou. Como 
                                                          eu estava com pressa, 
                                                          pedi a ela que me emprestasse 
                                                          a bicicleta. Saí 
                                                          sob a chuva que gradativamente 
                                                          ia se tornando mais 
                                                          forte. Ventava muito, 
                                                          tornando-se assim difícil 
                                                          segurar o guarda-chuva 
                                                          em meio ao vento e à 
                                                          água. Por causa 
                                                          da ventania, tive de 
                                                          segurá-lo de 
                                                          modo que ele impedia 
                                                          consideravelmente minha 
                                                          visão. Eu só 
                                                          enxergava o que estava 
                                                          a mais ou menos dois 
                                                          metros.
                                                        Passei 
                                                          a achar interessante 
                                                          a ocasião, apesar 
                                                          de todo o desconforto. 
                                                          Eu seguia pela av. Paranaíba, 
                                                          conhecia bem o trajeto, 
                                                          mas naquela hora eu 
                                                          não podia divisar 
                                                          nem o que havia nos 
                                                          próximos metros. 
                                                          Assim eu pedalava, quando 
                                                          então pensei 
                                                          que a vida era como 
                                                          andar de bicicleta e 
                                                          ter a visão obstruída. 
                                                          Eu me locomovia e não 
                                                          sabia o que me trariam 
                                                          os próximos metros. 
                                                          Vive-se sem a noção 
                                                          do que poderá 
                                                          ocorrer nos próximos 
                                                          minutos. Fui me entusiasmando 
                                                          com a idéia e 
                                                          até havia me 
                                                          esquecido da dificuldade 
                                                          que era manter na mão 
                                                          o guarda-chuva. Pedalava, 
                                                          pedalava e a vida ia 
                                                          se fazendo, me revelando 
                                                          o que havia no caminho.
                                                        Curiosamente, 
                                                          quando cheguei a meu 
                                                          destino, parou de chover. 
                                                          Ao voltar para casa, 
                                                          sem chuva, eu podia 
                                                          enxergar o caminho, 
                                                          prestar atenção 
                                                          nele. Foi preciso um 
                                                          pouco menos para que 
                                                          eu viesse a enxergar 
                                                          um pouco mais. E mesmo 
                                                          enxergando um pouco 
                                                          mais, eu continuava 
                                                          a sentir a vida como 
                                                          quem anda de bicicleta 
                                                          sob a chuva com vento 
                                                          forte.