OBRIGADO, MINHA SENHORA 
 

(Publicada em 14 de julho de 2.000) 

Suas mãos eram ásperas, tinham dedos grossos, assim modelados pelo trabalho na roça, que era nítido nela e naquele que certamente era seu marido. Os dois faziam um lanche numa padaria do centro. Ela usava um vestido azul, simples como tudo nela. Os cabelos brancos eram lisos e estavam presos.

Ela comia uma broa. O que me chamou a atenção na velha foi a extrema simplicidade. Para lanchar, não se valia de nenhum guardanapo. Segurava a broa com os dedos grossos da mão esquerda, enquanto ia colhendo os pedaços e os colocando na boca. Nenhuma convenção e, pareceu-me, alheia a tudo ali por perto. Cheguei a ficar com a sensação de que ela não estava à vontade em meio àquela barulheira, em meio àquela correria. Parecia pedir desculpas por estar ali. A padaria estava lotada, e nenhuma pessoa parecia reparar na velha da roça. Eu reparava pelo fato de ter gostado dela. Mesmo com toda essa “independência”, ela me parecia triste. Talvez cansada.

Era uma quarta-feira. Um dos balconistas parecia conhecer o marido dela. Mantinha com ele entusiasmado diálogo, nos breves intervalos que tinha livre. Ela não olhava para nenhum deles nem para ninguém. Tinha a cabeça baixa, e ia pegando sem pressa os pedaços pequenos da broa.

Eu estava à sua direita, à mesa mais próxima. Quando a broa estava mais ou menos pela metade ela deu uma olhadela pelo ambiente. Não se deteve sobre nada. Olhando para o lado, encontrou meu olhar. Seu rosto não mudou aquela expressão triste e algo cansada. Em poucos segundos tirou de mim seu olhar e voltou a desfazer a broa.

Nada sei dela, a não ser essas impressões que relatei, e que podem estar erradas. O que importa é que ela me sensibilizou. Enquanto eu a observava amei nela toda uma vida que me pareceu dedicada ao trabalho. Ali estava uma senhora simples, comendo com maestria sua broa. Seu corpo era a conseqüência de uma vida que me pareceu difícil, cansativa. Amei nela a contribuição que ela deve ter dado para a vida daqueles que estiveram com ela; amei nela a contribuição que ela deve ter dado para que a vida prosseguisse em sintonia. Se a vida não der certo, não foi culpa dela.

Sempre de cabeça baixa, levantou-se, seguindo seu marido. Que vontade de dizer pra ela o quanto a admirei, o quanto ela me deixou inspirado. Ela se foi, meio curvada, pernas tortas...

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